Deixa o grande mundo girar, Colum McCann (Civilização Editora)

  
    Mais um livro fantástico. Quando acabo um livro cuja leitura me prendeu, receio sempre começar o próximo. Acho que será difícil que me prenda da mesma maneira. Mas ultimamente tenho tido a sorte de ler vários livros de seguida muito bons. De que gostei. Este foi mais um. Difícil foi interromper a leitura e, sobretudo, virar a última página.  O pretexto do livro é um acontecimento real:
    Numa madrugada do final do Verão,os habitantes de Manhattan observam incrédulos e em silêncio as Torres Gémeas. Estamos em Agosto de1974 e um misterioso funâmbulo corre, dança e salta entre as torres, suspenso a quatrocentos metros do chão. 
     As personagens do livro são as pessoas que passam na rua e olham surpreendidos para aquele homem que parece andar no ar, que se atrasam para o verem,  que à distância falam pelo telefone com alguém que está parado na rua a espreitá-lo, que se cruzam com ele mais tarde, no tribunal. E esses encontros fortuitos alteram os rumos das suas vidas. É quase como se o livro fosse uma soma de partes diferentes, em que as personagens se cruzam, se ligam, se desencontram, desaparecem ou voltam a aparecer.
    O livro está dividido em quatro partes e apenas a última ostenta a data: outubro de 2006, 32 anos depois daquela madrugada de agosto de 1974.  E se as personagens vão entrando e saindo, há algumas que nos vão acompanhando mais persistentemente: Corrigan e o irmão, Jazzlyn e a mãe, Tillie, ambas prostitutas, Gloria e Claire, mulheres em tudo distintas mas ligadas pelas perdas dos respetivos filhos na guerra  e Lara. Os laços aparentemente frágeis que os ligam, vão-lhes permitir sobreviver e irão  perdurar para além deles próprios, estendendo-se às filhas de Jazzlyn. 
    E há em todas estas personagens, nas suas vidas, uma tristeza, uma melancolia imensa. Uma enorme falta de esperança. Uma tristeza que é quase palpável e de que apenas as prostitutas, mãe e filha, parecem escapar, até que também a tragédia se abate sobre elas.

    A meio do livro desisti de continuar a roubar frases, porque senti-me tentada a roubar quase metade do livro. Houve duas frases a que não resisti, mais do que pela estética, pela identificação que senti (a primeira, a propósito do amor que unia os pais de Gloria):

     Era o tipo de amor quotidiano com que eu tive de aprendera confrontar-me: se crescermos com ele, é difícil pensar que alguma vez o vamos igualar. Eu achava que era difícil para filhos de pais que realmente se amavam, que era complicado sair de baixo dessa pele porque, por vezes, ela é tão confortável que não sentimos vontade de nos desenvolvermos por nós próprios.
  
     Mais tarde, Gloria disse-lhe que era necessário amar o silêncio, mas antes de se poder amar o silêncio tinha de se ter ruído.

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