Manual para mulheres de limpeza, Lucia Berlin (Alfaguara)

   
  O meu irmão ofereceu-me este Manual para mulheres de limpeza de que já tinha ouvido e lido críticas muito positivas. Comecei a lê-lo depois de abandonar alguns livros que tinha iniciado mas que não me apeteceu acabar. Sei que é um direito que me assiste mas que resisto a utilizar sobretudo quando se trata de livros de autores de que gosto. Vou insistindo, lendo diariamente mais umas páginas até que o substituo por outro. Este livro deu-me o álibi perfeito para abandonar aquele que estava a ler: comecei e não consegui largá-lo mais. 
    Antes de começar a ler os contos, li o Prefácio de Lydia Davis, a introdução de Stephen Emerson, que seleccionou os contos, e a nota final sobre a vida de Lucia Berlin. Este conjunto de textos permitiu-me contextualizar, perceber e sobretudo apreciar mais os contos que li depois, pela ordem que são apresentados. 
    É a primeira colectânea de contos que leio em que não fico desiludida com o fim precoce de cada história ou com  sentimento de perda por não poder acompanhar mais as personagens. E os contos são, em regra, muito curtos mas acabam na altura certa. Há desde logo qualquer coisa na forma como começam, dispensando aquele início lento e tímido que se destina a dar o necessário contexto ao leitor, que é a característica mais interessante desta autora. Alguns exemplos de inícios de  contos:

    O Jesse apanhou-me desprevenida.
    Era difícil assegurar sozinha a receção e o gabinete.
    A solidão é um conceito anglo-saxónico.

    Começamos cada conto imergindo  imediatamente no lugar, no tempo e na história que vamos ler. Não se trata apenas da forma como os contos estão escritos, mas sobretudo das histórias narradas e aí a autora tem uma imensa vantagem. Ela limita-se a contar-nos o que viveu porque na realidade teve várias vidas: exerceu diversas profissões, desde mulher de limpeza a professora universitária, criou os quatro filhos, foi alcoólica, casou-se três vezes...E recheia as vivências que relata com as sensações e emoções que as acompanharam. É como entrarmos num filme a quatro dimensões que nos envolve enquanto o lemos.
    O conto que dá o título a esta colectânea, Manual para mulheres de limpeza, é fascinante porque dá-nos a perspetiva das mulheres de limpeza mas sem cair na dicotomia fácil de ridicularizar as patroas. Apenas descreve o dia a dia de uma mulher de limpeza que tem dificuldade em ser aceite pelas empregadas e pelas patroas porque tem "educação" e vai dando conselhos: aceitem tudo que a vossa patroa vos der e digam obrigada. (....) por regra, nunca trabalhem para amigos. (...) quanto a gatos...nunca se afeiçoem a eles....(...) Também nunca trabalhem para psiquiatras....(...) mostrem-lhes que são rigorosas. Mas ao mesmo tempo que vai entrando e saindo de casa vai falando sobre Ter e a sua morte e acaba o conto dizendo: Finalmente, choro.
    Mas o conto que mais me tocou foi o Espera um minuto, sobre a morte da irmã que ela acompanhou e que aborda noutros contos [Zango-me com todos porque estão a trabalhar, a viver. Por vezes, odeio-te por não estares a morrer. Não é horrível?
    Não, porque consegues dizer-mo. E eu consigo dizer-te que fico contente por não ser eu quem está a morrer. (Mã)].
     Este conto é escrito sete anos depois da morte da irmã, talvez por isso se perceba a mágoa, a saudade, mas não seja comovente. Não resisto a retirar um excerto:

    Quando alguém tem uma doença terminal, o ritmo tranquilizador do tempo é estilhaçado. Depressa de mais, não há tempo, adoro-te, tenho de acabar isto, diz-lhe isso. Espera um minuto! Quero explicar (...) Ou então o ritmo torna-se sadicamente lento. A morte limita-se a pairar por perto enquanto esperamos que caia a noite e, depois, esperamos que amanheça. Todos os dias nos despedimos um bocadinho.

    É impossível dar uma imagem completa destes contos. Só lendo-os. Mais que uma leitura, uma experiência a não perder.

Comentários

Os mais lidos

O Sétimo Juramento, Paulina Chiziane (Sociedade Editorial Ndjira)

Niketche, Paulina Chiziane (Caminho)

Os Bem-Aventurados, Luísa Beltrão (Editorial Presença)